• Memento – A heavenly tale.
    1º Capítulo – Fallen Angel.

    Um jovem vestido com uma t-shirt negra e jeans a condizer conduzia um automóvel por uma estrada árida de terra batida. Estava muito calor naquela zona, era como um deserto despovoado. Limpou umas gotas de suor da sua testa com o braço. Estava impaciente.
    Tinha uma luva sem dedos na mão direita, a qual foi a um dos seus muitos bolsos nas suas calças tirar um pequeno gravador de voz. Pequeno, cinzento e simples, era capaz de gravar e reproduzir horas e horas de áudio. No entanto, ele só o utilizava para gravar. Ligou-o.
    - 7:29, a aproximar-me da Igreja da Nova Fé.
    Tornou a desliga-lo.
    Andou durante mais uns minutos, aproximando-se cada vez mais da igreja. Estava construída num local muito estranho, no meio de nenhures. Literalmente, no meio de nenhures. Era o único edifício num raio de quilómetros.
    Travou bruscamente derrapando durante uns metros e parando mesmo em frente á porta da igreja. Saiu do carro e caminhou na sua direcção. Abriu ruidosamente a porta da frente. A igreja era pequena por dentro. A única porta visível era aquela por onde acabara de entrar. Não havia bancos, não havia nada, nem pessoas, com excepção de um vulto de joelhos a rezar perante uma enorme estatua sem cara rodeada de miniaturas de anjos adultos rodeando-a. Entrou, o barulho das suas botas ecoava no interior. Olhou por instantes para o que lhe rodeava, à sua direita, lindos vitrais com varias cores, à sua esquerda, mais vitrais. Continuou a andar na direcção do vulto.
    - Padre Viera?
    O vulto levantou-se lentamente e virou-se para ele. Para seu espanto, o padre calma e serenamente benzeu-o, à medida que dissimuladamente tirava algo do bolso. Era um frasco de água benta. Rapidamente abriu-o e atirou-a à sua cara. Ardia como ácido.
    - Immundus angelus! Ne increpito acceptus hic!
    - Maldito sejas!!


    - Ahh... – Bocejava, enquanto esticava as suas longas asas. Eram brilhantes como o luar. A sua envergadura era pouco menos que o dobro da sua envergadura de braços. Cada única pena emitia luz, paz, calma. Quanto esplendor pode ter um simples anjo durante algo tão banal como um simples bocejo. Olhou para o seu quarto. Tudo era branco, lindo, limpo, harmonioso. As paredes eram como nuvens suaves, a sua cama era uma enorme nuvem, leve como o ar. Na parede á sua direita estava, a um metro de altura do chão, um buraco de aproximadamente um metro de diâmetro. Levantou-se e olhou para o seu reflexo. Os anjos não têm espelhos. Ele via o seu reflexo num largo e fino riacho que corria numa parede do seu quarto. Tinha uma boa constituição física, músculos definidos mas não enaltecidos, dignos de um anjo. O seu curto cabelo loiro, cor de areia, contrastava profundamente com os seus expressivos olhos negros, penetrantes. O seu nariz pequeno e angular lançava uma pequena sombra sobre os seus lábios finos. Uma cara oval, inexpressiva e sonolenta, dava-lhe a aparência de um jovem lince que, embora brincalhão, sabe o seu lugar.
    Correu na direcção do pequeno buraco do seu quarto e mergulhou para o seu interior. Era a saída do seu quarto. E o exterior era ainda mais espantoso. Ele abriu as suas asas para evitar cair mais fundo. O seu quarto era apenas uma pérola do colar. Lá fora, o paraíso, era das coisas mais fantásticas que se podiam testemunhar. Era uma enormíssima cúpula, as suas extremidades eram como ser feitas de céu. Azuis, com nuvens como que se a adorna-las, mas eram mais quartos de anjos. Passavam por ele, como se nem se apercebessem da sua existência, dezenas de anjos, cada um mais belo que o anterior, todos com a sua específica função. Todos a caminho de a cumprir, para o bem do Senhor. Ele também tinha a sua função. Mas não saia do lugar. Estava à espera. Sempre que acordava, uma anjo específica passava mesmo à sua frente. Não queria desperdiçar a oportunidade de hoje de a poder ver por instantes. Esperou, esperou, esperou, esperou, esperou… Ela não aparecia… Triste, desceu na direcção do seu posto. Como anjo da devoção, a sua obrigação era fazer com que tudo aquilo que pensasse fosse devoto, dedicado, determinado e apaixonado. Cada anjo tinha o seu posto. Era como que um estranho compartimento, quase que como um quarto, com um pedestal. Cada anjo devia sentar-se no seu pedestal, rezando, e pedindo que o mundo tivesse uma dose grande daquilo que tinham para oferecer. O Anjo da Devoção estava um pouco distraído hoje. O que acontecera aquela anjo?...
    Estava quase a anoitecer. Todos os anjos têm de estar dentro dos seus quartos antes que o Sol se apague. Ele saiu do seu posto e subiu na direcção do seu quarto o mais rápido que as suas asas lhe permitiam. Tinha esperança de conseguir ver. Olhava, olhava, olhava, olhava, olhava, olhava… Via dezenas e dezenas de anjos, todos a subir dos seus postos até aos seus quartos. Mas aquela anjo continuava desaparecida. Como seria isto possível? Não podia pensar nisso hoje, agora tinha que regressar ao seu quarto e dormir para o dia de amanhã.
    Custou-lhe imenso adormecer, mas eventualmente conseguiu fechar seus olhos. Quando o sol voltou a nascer, saltou da sua cama a toda a velocidade e saiu do seu quarto. Ainda esperava conseguir vê-la, hoje pelo menos, já que ontem não. Mas desta vez estava com atenção especial. Desta vez não só estava a tentar vê-la, mas também a tentar ver de que nuvem ela saía. Olhou, olhou, olhou, olhou, olhou… e viu-a. Finalmente viu-a. Como custou ter passado 24 horas sem a ver… Era tão bela. Tinha um longo e elegante robe branco, tapando-lhe todo o corpo menos as suas costas e ombros. O seu longo cabelo loiro ondulava à medida que descia para o seu posto. Sentia-se tão feliz… Sentia-se leve como uma pluma, e desceu lentamente para seu.
    No dia seguinte, depois de acordar, o Anjo da Devoção saiu, novamente, apressadamente do seu quarto, a tentar encontra-la de novo. Tentava, tentava, tentava, tentava, tentava, tentava… Mas. Novamente, não aparecia em parte alguma. Os anjos também tinham leis. Regras, impostas pelo senhor, de modo a que se fosse possível manter a ordem no paraíso. Mas. Novamente, ela não aparecia em parte alguma. E isso por si só já era quebrar uma lei. Com o coração a palpitar de medo das possíveis consequências do que ia fazer. Voou na direcção do quarto da bela anjo.
    Amedrontado, espreitou pela entrada do seu quarto. Era praticamente igual ao seu, com algumas diferenças talvez na sua disposição. O riacho estava um pouco mais à direita que o seu, e a cama—a cama! Lá estava ela, sentada, virada de costas para ele. Com as suas asas recolhidas o mais que podia, a bela anjo chorava copiosamente. Ele decidiu entrar, antes que foste visto à sua porta. Fez o mínimo barulho possível e foi em pés de lã e de asas estendidas ligeiramente vê-la. Espreitou por cima do seu ombro para a sua face. Estava a tapar a cara com ambas as mãos e continuava a chorar, o que o preocupava cada vez mais. Após uns segundos de reflexão, ganhou coragem para dizer.
    - O que vos aconteceu?
    Num sobressalto, a anjo saltou para a sua cama, olhando com enorme espanto para ele.
    - O que fazeis aqui? – Disse enquanto limpava a sua cara. – Abandonastes o vosso posto? Certamente não tendes consciência das consequências que cairão sobre ti.
    - Posso dizê-lo o mesmo a vós… - Respondeu – Dizei-me, porque chorais?
    - Ide para o vosso posto! Ide antes que vos aconteça algo nefasto!
    - Peço-vos… Não vos preocupeis comigo, não agora. Diz-me, porque choras?
    A anjo ficou absorta, as lágrimas pararam de escorrer pela sua face. Olhou-o nos olhos durante uns segundos e sentou-se.
    - Não me recordo…
    Ainda um pouco hesitante, caminhou lentamente na sua direcção e sentou-se ao seu lado.
    - Como? Como é isso possível?...
    - Temo que… Já choro há tanto tempo… Que me esqueci de porque choro… Comecei a chorar porque me sentira infeliz e deprimida…. Como nada disso mudou, continuei. Cheguei a ponto tal, que me esqueci a razão da minha tristeza. No entanto isso só me põe mais triste. Mesmo não sabendo do que me entristeceu, as lágrimas continuaram a escorrer pela minha pele.
    Ela era tão bela e tão triste. Ele sentia o seu coração a palpitar, porque os anjos também têm corações, não era capaz de a ver derramar nem que fosse mais uma lágrima.
    - Não precisais de chorar. Não agora. Estou aqui. E nunca mais deixarei existir razão senão a que te trará felicidade.

    Ela sorriu, pela primeira vez em muito, muito tempo, e ali ficaram os dois, no seu mundo privado, falando de tudo o que lhes ocorria e discutindo o que ainda não lhe ocorrera. Falavam dos seus sonhos, falavam de coisas que nunca pensaram quando estavam sozinhos, coisas como sentimentos, ou o que haveria para além daquele Paraíso. Partilhavam os seus sonhos de como seria o mundo para o qual rezaram toda a sua vida, quantas maravilhas teria tal mundo, mundo que tinha um exército de anjos a todos os dias rezar para o seu bem, para a sua paz, e para o seu equilíbrio. Os segundos cresceram para minutos que cresceram para horas. Ele sentia o seu coração palpitar a cada segundo, só por estar com ela, a ela, crescia-lhe o afecto por ele a cada minuto pela maneira que lhe fazia sentir, e ambos se apaixonavam mais e mais com o passar das horas, por entreolharem-se, sem interrupções. Como anjos, nunca estabeleceram uma ligação significativa com quem quer que seja, esta era a primeira vez que qualquer um dos dois se sentia assim.
    Até que o Sol começou a apagar… O Anjo da devoção disse-lhe que tinha que voltar ao seu quarto, antes que os Arcanjos notassem que não estava. Ela agarrou-o pelo braço impedindo-o de ir.
    - Não partirdes… - Disse, - Não me deixeis… Temo que as lágrimas voltem… Não as quero de volta.
    Ele agarrou na sua mão e respondeu.
    - Não vos preocupeis. Amanhã estarei de volta, com o primeiro raio de Sol.
    A anjo lentamente soltou a sua mão e olhou-o á medida que saía do seu quarto… Ele saiu voando, fazendo oitos no céu. Feliz, tudo a sua volta parecia mais bonito, mais harmonioso. Todos os anjos voavam em linha recta, do quarto para o seu posto, e de volta, do posto para o seu quarto. Sempre o fizeram, por isso tinham as suas rotas bem definidas de forma a não haver colisões. Mas nada disso parecia importar, voava fintando quase sem querer todos os anjos em recolha para os seus quartos. Sempre voou, mas esta fora a primeira vez que voara. As suas asas esticadas como nunca antes, o vento a passar-lhe pelo cabelo, as nuvens á sua volta.
    Mas o sol estava a pôr-se. E ele recolheu-se novamente para o seu quarto, onde dormiu, e sonhou. Ela fez o mesmo, custou muito a adormecer, queria estar com ele de novo, mas ao mesmo tempo, não queria estar demasiado feliz com os seus sentimentos novos, podia acordar no dia seguinte e tudo desaparecer como fumo…
    Acordou cedíssimo no dia seguinte, nem conseguiu descansar como deve de ser devido à sua ansiedade. Correu para a entrada da sua casa para tentar vê-lo, meteu totalmente a sua cabeça fora do seu quarto e olhou em volta. A maioria dos anjos ainda dormiam… Voltou para o interior, para se pentear. Pôs todo o seu cabelo atrás das suas orelhas com excepção de duas longas madeixas que deixou na periferia da sua cara. Suspirou, impaciente e com medo, as suas mãos tremiam e não conseguia ficar quieta no seu quarto. Suspirou novamente, desta vês apercebendo-se que estava a perder controlo do seu corpo e que estava a exagerar imenso, afinal de contas, não precisava que voltasse, ele não era indispensável e já se tinha preparado para a eventualidade de ele não voltar. Se ao menos isso fosse verdade… se ao menos. Mas não, não era. Embora se esforçasse imenso para acreditar nas suas mentiras, não passavam disso.
    Passou algum tempo… passou mais tempo…passou muito tempo. E a delicada anjo simplesmente sentou-se ao lado da entrada do seu quarto, olhando para o exterior, sempre a sua espera, nunca a o encontrar… mas a culpa não foi do anjo da devoção. Este, assim que o primeiro raio de luz surgiu pela manha, voou na direcção do quarto da bela anjo, mas foi interceptado por dois arcanjos à saída do seu. Arcanjos eram anjos de grande porte, vestidos com armaduras de platina e com asas douradas, serviam como de polícia no paraíso. Agarraram-no, ao que o anjo rapidamente protestou.
    - Soltai-me! Soltai-me! Tenho que ir ao seu encontro! Prometi-lhe! Prometi-lhe!
    - Anjo de devoção, pelo pecado do amor, e por não prestar serviço satisfatório no vosso posto há vários dias, serás levado à presença do senhor sem demora, para que recebas o devido castigo.
    - Não! Não irei! Não me vão conseguir obrigar! Ela precisa de mim! Não a posso deixar chorar de novo!
    Batia as suas asas com toda a sua força, mas as asas dos arcanjos era muito mais poderosas. Com os seus olhos envidraçados de lágrimas, ele foi rapidamente levado dali para o topo da cúpula, que revelou uma passagem secreta escura quando os arcanjos se aproximaram.
    Foi atirado para o chão, as suas asas não funcionavam, estavam totalmente paralisadas. Olhou em volta mas não via nada, fora cegado? Ou estaria o quarto de facto escuro como nunca antes vira?
    - ANJO DA DEVOÇÃO. – Ouviu, – ESTÁS PERANTE O CONSELHO DO PARAÍSO COM ACUSAÇÕES GRAVES.
    Os seus ouvidos latejavam de dor! Aquela voz era grossa, estrondosa e tenebrosa, cada palavra pronunciada era como um rochedo a estilhaçar aos seus pés, todo o seu redor estremecia.
    - Por favor… - respondeu – Deixai-me vê-la… só uma vez..
    - SILÊNCIO! – Gritou, ainda mais alto que antes, - ANJO DA DEVOÇÃO, PELO PECADO DO AMOR, QUE IMPEDIU NÃO SÓ A TI, MAS COMO TAMBÉM Á ANJO DA PAZ, DE COMPARECER NOS VOSSOS POSTOS DURANTE VÁRIOS DIAS—
    Centenas de pensamentos passaram-lhe pela cabeça nos poucos segundos em que demorou a dizer a sua sentença. Os anjos também têm tribunais… A diferença é que nestes, és julgado como culpado à entrada, e não há nada que possas fazer contra isso.
    - SENTENCIAMOS-TE A SER BANIDO DO PARAÍSO E CONDENADO A VIVER UMA VIDA DE MORTAL NA TERRA. ARCANJOS, ARRANQUEM AS SUAS ASAS.
    - Não!! Não podem!
    Sentiu algo a agarrar-lhe as asas.
    - Piedade! Por favor! Imploro—AHH!!!
    Sem misericórdia, os arcanjos arrancaram a sangue frio as asas das costas do anjo. A dor latejante quase o fez perder os sentidos, mesmo depois de as perder, ainda sentia dor, como se ainda as estivessem a arrancar. Sangrava imenso das suas costas, lágrimas escorriam-lhe pela cara.
    - AAAAHHHHHHHHHHHH!!!! Esconjure este paraíso! Esconjure! Esconjure o Senhor! Esconjure o concelho e os arcanjos! Esconjure! Nenhum ser devia ser proposto a esta dor!! Que a morte os venha buscar a todos criaturas do inferno!!


    Travou bruscamente derrapando durante uns metros e parando mesmo em frente á porta da igreja. Saiu do carro e caminhou na sua direcção. Abriu ruidosamente a porta da frente. A igreja era pequena por dentro. A única porta visível era aquela por onde acabara de entrar. Não havia bancos, não havia nada, nem pessoas, com excepção de um vulto de joelhos a rezar perante uma enorme estatua sem cara rodeada de miniaturas de anjos adultos rodeando-a. Entrou, o barulho das suas botas ecoava no interior.
    - Padre Viera?
    O vulto levantou-se lentamente e virou-se para ele. Para seu espanto, o padre calma e serenamente benzeu-o, à medida que dissimuladamente tirava algo do bolso. Era um frasco de água benta. Rapidamente abriu-o e atirou-a à sua cara. Ardia como ácido.
    - Anjo caído! Não és bem-vindo aqui!
    - Maldito sejas!
    Ele agarrou o pescoço do padre e atirou-o contra as escadas do pódio da igreja. Voltou a aproximar-se dele agarrando-o pelo colarinho.
    - Não querias saber do que sou capaz.
    - Mata-me, manda-me para junto do Senhor. Não fiz senão o seu trabalho, não serei condenado.
    - Não te darei morte, senão um outro destino muito mais duradouro e doloroso. Onde estão as Escrituras?
    - Não me farás pecar!
    Atirou-o novamente ao chão, desta vez deixando-o inconsciente.
    - 7:35, padre inconsciente, começo a busca à igreja.
    Olhou para todas as direcções. Não encontrava caminho em lado nenhum. Nenhum sitio suspeito onde As Escrituras poderiam estar. Sentou-se num dos degraus do pódio pressionou as suas têmporas com a ponta dos dedos.
    - Hmpf… Pelo pecado do amor – pensou – Pelo pecado do amor foi o que disseram. Pecados… crimes dos anjos, bilhetes de ida para o inferno para os humanos.
    A sua voz ecoou pela igreja vazia, ter-se-ia entusiasmado a pensar, isto acontecia-lhe as vezes. deixar-se levar pelos seus próprios pensamentos e acabar dizendo o que quer pensar.
    - O que estás tu a fazer?... Será que se esqueceu de mim?... – murmurou enquanto se levantou, passeando pelo pódio. - Não, nunca… Desfiarei cada nuvem dos céus até encontrá-la de novo, e estaremos juntos novamente!
    Novamente deixou-se entusiasmar pelos seus pensamentos, não se habituara a maneira de pensar dos humanos. Nos céus nunca pensava nem em metade das coisas que agora pensa.
    - Hmpf.
    Respirou fundo e continuou a sua busca, tentando não pensar em coisas que não devia. Aproximou-se da estátua do homem sem cara. Tocou, agarrou, sentiu, cheirou, na esperança de encontrar alguma resposta. Finalmente, colocou a sua nuca encostada a cara sem face da estátua, como se a tentar ver o que a estátua estaria a ver. Para seu espanto, olhar para a igreja daquela perspectiva revelou uma varanda escondida bem alto na igreja, essa varanda, coberta em talha dourada, poisava em cima da porta de entrada.
    - Ali…
    Olhou uma vez mais em seu redor a procura de uma maneira de subir, mas não encontrava nada, nem escadas, nem escadotes, nem cordas. Agarrou novamente no seu gravador:
    - 7:37, detectado local suspeito, é possível que contenha alguma informação sobre As Escrituras. Busco maneira de subir, mas não creio que vá ser fácil.
    Depois disto aproximou-se da parede do lado esquerdo da entrada. Passou a mão pela talha dourada que a cobria. Ao que parecia, toda esta parede estava coberta por uma fina camada de ouro e com relevos em madeira que pareciam contar uma história. Ele examinou a parede toda, estava coberta de anjos, e outras criaturas semelhantes, estas sem penas nas suas asas, e ainda tinha humanos, alguns, poucos, humanos, ou pelo menos era o que pareciam. Tinha também duas figuras, enormes em comparação às outras. Era uma parede pequena, tinha ainda a enorme porta no seu centro, o que fazia com que não houvesse muito espaço para estas escrituras. Isto fora tudo o que conseguira ver. Mas em cima da varanda estava algo mais… Tentou trepar pelos relevos das inscrições, mas a película fina de ouro era muito escorregadia. Quando estava prestes a alcançar a varanda escorregou e caiu de costas uma altura de pouco longe de 2 metros.
    - Urgh! As minhas costas…
    De facto, toda a sua área lombar latejava de dor ao mínimo contacto. Tinha duas enormes feridas nas costas, cor de sangue seco, enormes marcas lembrando-o constantemente do que foi.
    Tentou novamente, subindo lentamente, desta vez muito mais cuidadosamente do que a ultima. Até que conseguiu agarrar o limiar da varanda com uma mão, a partir daí foi fácil, rapidamente subiu a varanda. Era uma varanda normal, o chão era cimento, ou pelo menos era o que parecia. Estava coberta por uma grossa camada de pó castanho.
    Ainda lhe doía as costas, tentou passar com as costas da mão pela zona que o estava a incomodar enquanto olhava para a continuação do mural. Era uma imagem de uma mulher, com uma lágrima vermelha a escorrer pela sua face. Mas que lágrima estranha. Brilhava com um brilho que nada naquela igreja brilhava. Tocou-a, e apercebeu-se que estava encaixada no mural. Arranhando a sua volta conseguiu solta-la o suficiente para a tirar de lá. A parte presa a parede escondia um fio dourado. Era um pendente, ou pelo menos era o que parecia. Agarrou-o pela ponta, deixando a lágrima vermelha balançar enquanto olhava para ela. Para a sua surpresa, o pendente pouco a pouco foi parando, mas não parou em linha recta perpendicular ao chão, parou sim num ângulo, como se a apontar para algo. Estava a apontar para o centro da igreja.
    Sem perder um segundo desceu cuidadosamente da varanda e dirigiu-se para onde o pendente estava a apontar.
    - O chão?
    O meio da igreja. Não havia lá nada excepto salpicos de água benta que o padre desmaiado lhe tinha atirado há uns minutos atrás.
    Agarrou o pendente, meteu-o no seu bolso e saiu da igreja em direcção ao seu carro. O Sol ofuscou-lhe imenso ao sair, a diferença de claridade entre aquela pequena capela e o Sol escaldante daquele deserto era deveras acentuada. Estava muito mais calor no exterior, embora também não estivesse uma temperatura amena dentro da igreja. Aproximou-se do seu carro, abriu o porta-bagagem e tirou do interior um pequeno machado de cabo de madeira e com a lâmina vermelha. Era um machado de emergência, parecia até ter pertencido a um bombeiro. De qualquer das formas era pesado e afiado, tal como queria. Voltou ao local que o pendente apontou. Agora que olhava com atenção, todo o chão estava coberto com um fino tapete feio de cor castanha clara, quase creme. Bateu com o calcanhar da bota no chão a sua volta, era claramente chão falso. Ergueu o seu machado no ar e começou a cortar o delicado chão de madeira velha sem resistência nenhuma do tapete rude.
    - Finalmente… depois de tanto tempo! – Exclamou, incrédulo.
    As Escrituras estavam naquele pequeno alçapão. Depois de tanto tempo, o que procurava já há meses estava a sua frente.

    - Estranho estar aqui, com tão pouca segurança… - disse para os seus botões – no entanto, a igreja em si já custou a encontrar…
    Olhou uma última vez para As Escrituras antes de o pegar. Era um livro quadrado, azul desbotado, lombada de metal e com adornos estranhos de couro queimado. Sentou-se no chão lentamente folheando o livro.
    - Os Portões do Paraíso… - murmurou.
    Agora tinha tudo o que precisava… quem se poria no seu caminho agora?